A COMISSÃO NACIONAL DA MULHER ADVOGADA – CNMA – DO CONSELHO FEDERAL DA OAB e a ASSOCIAÇÃ0 BRASILEIRA DE MULHERES DE CARREIRAS JURÍDICAS – ABMCJ apresentam, em conjunto, a presente MANIFESTAÇÃO PÚBLICA acerca da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, em 29 de setembro de 2020, no HC/MG 178.777, conforme a seguir se passa a discorrer:
I – BREVE RELATÓRIO DOS FATOS OBJETO DA PRESENTE MANIFESTAÇÃO
O tema chegou até a CNMA/CFOAB e a ABMCJ após divulgação, por meio da imprensa, do julgamento realizado pelo Supremo Tribunal Federal em 29 de setembro de 2020 no HC/MG 178.777. Por três votos (Marco Aurélio, Dias Toffoli e Rosa Weber) a dois (Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso), a 1ª Turma do STF manteve decisão do Tribunal do Júri da Comarca de Nova Era (MG), que absolveu um homem da prática de tentativa de feminicídio contra sua excompanheira, reformando, assim, decisões do Tribunal de Justiça de Minas Gerais e do Superior Tribunal de Justiça, que haviam anulado o julgamento do tribunal popular e determinado fosse o réu submetido a novo júri. Para a 1ª Turma do STF não pode o Ministério Público recorrer de decisão absolutória do conselho de sentença, quando for favorável o quesito genérico da absolvição, pelo fato de que não se pode imputar que a decisão é contrária a provas dos autos se não se sabe exatamente qual tese foi acatada pelo conselho de sentença, uma vez que todas elas são incluídas em um único quesito que perquire se o réu deve ser absolvido.
O réu é confesso e alegou que sua ação foi desencadeada por imaginar ter sido traído por sua ex-companheira. Ele atacou sua ex-mulher a facadas na saída da igreja, tendo sido preso imediatamente após os fatos. “’Desferi três facadas na minha ex, pois vi várias conversas amorosas no celular dela, sou trabalhador e não posso aceitar de forma alguma uma situação humilhante dessas’, disse o agressor ao policial após as agressões.”1
Quando do julgamento pelo Tribunal do Júri os jurados responderam afirmativamente aos quesitos que avaliavam a materialidade e autoria. O terceiro quesito, referente à absolvição genérica, também foi respondido afirmativamente, 1 ‘Defesa da honra’: STF acata absolvição de homem que esfaqueou ex em Minas. Disponível em: , 30 set. 2020. Acesso em: 17 nov. 2020. 2 restando, assim, absolvido o réu da imputação de tentativa de feminicídio contra sua ex-companheira. 2 Em plenário, a defesa fez uso da tese da “legítima defesa da honra”.
Interessante anotar que a questão idêntica tinha sido, em 10 de março de 2019, objeto de julgamento da mesma 1ª Turma (no RHC 179.559), ocasião em que se entendeu, também por maioria (3 x 2), pela possibilidade de recurso por parte da acusação. A alteração do julgamento se deu por conta de mudança dos componentes da 1ª Turma, já que o Min. Luiz Fux (que votou no sentido de admitir o recurso por parte da acusação), ao assumir a Presidência do STF, foi substituído pelo Min. Dias Toffoli (que votou com o relator, não admitindo a possibilidade de recurso). O placar continuou sendo de 3 x 2, porém, agora (no HC/MG 178.777, em análise), a decisão se inverte para não admitir que haja recurso por parte do Ministério Público nas hipóteses em que a absolvição tenha como fundamento o quesito absolutório genérico. As situações jurídicas decorrentes dos fatos trazidos no HC/MG 178.777 ensejam três principais questionamentos, a saber:
1) Pode a acusação recorrer de decisão do conselho de sentença por entender que ela é contrária à prova dos autos, quando os jurados tenham votado “SIM” para o quesito absolutório genérico, absolvendo o acusado, sem que se possa ter conhecimento de qual foi a tese acatada pelo conselho de sentença?
2) A alegação, em plenário, da “legítima defesa da honra”, como tese para pedir a absolvição do réu, deve ser admitida em favor da plenitude da defesa, princípio regente do Tribunal do Júri?
3) O princípio constitucional da soberania dos veredictos é absoluto?